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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Por que a gente é assim?

Povo

Aqui vai uma sugestão cabotina. Estou editando o conteúdo do site "Por Que A Gente É Assim?", o "braço internet" de um projeto transmídia da produtora Matizar/Novenove, abrangendo também ações de teatro na rua e seis programas de TV, que vão ao ar no ano que vem.

A ideia é discutir os valores do povo brasileiro a partir de seis temas: autoridade, consumo, educação, fé, sexo e preconceito. Nós não temos as respostas, mas queremos fazer boas perguntas.

Visitem, analisem, critiquem.

Nada além de apertar botões

O incidente aconteceu no caixa da filial de uma rede de lanchonetes na Zona Sul do Rio – não vou dar o nome da rede nem detalhes sobre o (bom) lanche. Fiz um pedido relativamente grande – parte para consumir ali e parte para levar –, fui servido e paguei com uma nota de R$ 50. Ao receber o troco, percebi que o caixa havia cobrado a menos, deixando de registrar a parte para viagem, avisei-lhe e perguntei quanto era a diferença a pagar. Aí começou o problema.

O rapaz disse que precisava zerar a operação e registrar a compra toda de novo. Tudo bem. Uma vez feito isso, repeti a pergunta “qual a diferença a pagar?”, dando início ao seguinte diálogo:

Caixa: R$ 19,40.

Eu: A diferença deu isso tudo?!

Caixa: Não, esse é o preço.

Eu: Mas eu já paguei uma parte. Quanto falta pagar?

Caixa: R$ 37,45.

Eu: O quê?! Como a diferença pode ser maior que o preço?

Caixa: Ah... Não. Isso foi o troco que eu dei.

Eu (já com alguma incredulidade e vendo a impaciência crescer na fila): Cara, mas é simples, basta pegar o valor total e diminuir do quanto eu paguei. Nem precisa fazer de cabeça, tem uma calculadora aí.

O rapaz pegou a dita calculadora, mas parecia enrolado. Entre a fome a irritação, eu disse um “dá licença”, peguei a calculadora dele, fiz a conta (R$ 6,85), dei R$ 7 e, para não complicar mais, disse “agora é só me dar R$ 0,15”.

Foi quando eu percebi que o caixa estava sorrindo. Mas não era um sorriso de deboche, do tipo “enchi a paciência desse Mané”, e sim um sorriso constrangido de quem sabia que estava fazendo algo errado, mas não conseguia entender o quê.

Perceber isso transformou a minha irritação num espanto deprimido. Aquele rapaz havia sido treinado para registrar os pedidos, informar à máquina quanto fora pago e dar o troco que a dita máquina estipulasse. Uma situação simples, porém fora da rotina, fez sua cabeça entrar em loop. Como os guias mirins que precisam voltar ao começo de sua preleção decorada quando interrompidos, a solução para ele seria registrar tudo de novo, pegar de volta o troco, me devolver a nota de R$ 50 e recomeçar do zero. Se eu tivesse pagado com débito automático, era capaz de ser saído cheiro de fritura dos ouvidos do coitado.

O assustador na situação é que não se tratava de falta de conhecimento de matemática (a calculadora estava ali para isso) ou de treinamento para a função, mas de capacidade de raciocínio lógico elementar, de responder de forma simples a uma pergunta igualmente simples. Para vestir aquele uniforme, o rapaz certamente não era analfabeto, mas a educação formal que recebera não o havia preparado para pensar além das fórmulas e condicionamentos. Em tese, o material básico para o raciocínio estava ali, mas não havia sido estimulado, treinado como qualquer outra parte do corpo humano.

Quantos outros como ele existem por aí, trabalhando e sendo produtivos, mas incapazes de ultrapassar determinados patamares não por ignorância (entendida como falta de conhecimento), mas por limitação na capacidade de raciocínio? Pior, que tipo de sociedade se forma a partir disso?

Publicado originariamente no site "Por Que A Gente É Assim?". Visite o resto do site. Tenho certeza que vai gostar.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O título e a empulhação

Democracia é muito legal, mas confesso que fico assustado com o nível de desonestidade intelectual que a campanha eleitoral faz aflorar. Não se trata aqui dos spams com calúnias contra este ou aquele candidato, mas da maneira como situações são distorcidas à base de sofismas. Nesta campanha, o melhor exemplo é a polêmica em torno da ação do PT no STF contra a obrigatoriedade de o eleitor apresentar o título e um documento oficial com foto na seção eleitoral.

Uma parte da crítica à ação é pertinente, sim. A lei que previa essa dupla apresentação foi aprovada pelo Congresso e sancionada por Lula há mais de um ano. Se o partido era contra, podia ter barrado a aprovação, pressionado pelo veto ou entrado na Justiça muito antes, evitando criar uma celeuma jurídica às vésperas da votação.

Agora, o grosso da crítica, afirmando que a derrubada da dupla exigência facilitaria fraudes e/ou tornaria inútil o título de eleitor, é mentira. Uma mentira repetida à exaustão por quem tinha algo a perder (vale lembrar que o DEM também foi ao STF manter a obrigatoriedade dos dois documentos e, segundo a Folha de S.Paulo, o próprio José Serra teria ligado para o ministro Gilmar Mendes para pedir a interrupção da votação do Supremo) e reproduzida por uma enorme quantidade de pessoas por ignorância ou cumplicidade na má-fé.

E por que se pode dizer que a crítica é sofista? Porque o título de eleitor só se tornou obrigatório para votar a partir da aprovação da dita lei, no ano passado. Até então, pelo menos desde 1986, quando foi adotado o atual formato do documento, ele não era necessário. Se o cidadão estava sem o título, mas sabia onde era sua seção eleitoral, bastava chegar lá com um documento de identidade com foto e votar. Políticos, advogados de partidos e a maioria dos jornalistas especializados sabem disso, incluindo os que fizeram coro à critica.

O título de eleitor não é um documento de identificação, não tem foto nem digital. Ele é um comprovante de que o cidadão está inscrito na Justiça Eleitoral. Ele não prova sequer que o portador está em dia com a dita cuja – tanto que, para tirar passaporte ou ser contratada num emprego público, a pessoa tem que levar também os comprovantes de votação.

Até as eleições de 2008, o eleitor podia votar apresentando somente o título, uma herança do tempo em que o documento tinha foto do cidadão. Na falta do título, valia qualquer documento com foto. Era aí, na possibilidade de só usar o título, que morava a fraude na votação – a fraude na apuração foi eliminada pela urna eletrônica. Como raramente os mesários conferem a assinatura, era possível uma pessoa votar com o título de outra.

Embora esse tipo de fraude jamais tenha sido maciço, ele justificou a adoção pela Justiça Eleitoral do sistema de cadastro biométrico, testado em 2008 e implementado em alguns municípios este ano. Nele, o eleitor faz um novo cadastro, incluindo a coleta das impressões digitais e de uma foto. O título – que, como já foi dito, é só um comprovante do alistamento – continua o mesmo, mas foto do eleitor está na lista de votação e suas digitais estão no sistema. Para liberar a urna para o voto, o cidadão vai tascar o dedo num sensor. Será humanamente impossível uma pessoa votar no lugar de outra. O problema é que o sistema só estará implementado no país inteiro em 2016.

Para minimizar o risco de fraudes até lá, surgiu a proposta de tornar obrigatória a apresentação de um documento de identidade com foto na votação. A malandragem enfiada na lei (não sei quem foi nem de qual partido era) foi atrelar a exigência do título simultaneamente. Ora, o título de eleitor não é um documento de uso corriqueiro. Salvo para exigências legais, fica guardado durante dois anos, sendo facilmente esquecido, perdido em mudanças etc. Basta ver a fila para tirar segunda via quando o prazo para isso termina – mau hábito do brasileiro.

Exigir que o eleitor leve qualquer documento oficial de identidade com foto para votar é ótimo, garante segurança ao pleito enquanto a biometria não vem. Já exigir que ele leve dois documentos só tem como resultado dificultar o exercício do voto. E isso vai na contra-mão de toda a filosofia inclusiva da legislação eleitoral brasileira.

sábado, 24 de julho de 2010

Solidariedade é isso aí...

Amanhã vai ter mais um Criança Esperança. Quando chega essa época, bate uma tremenda saudade do meu pai, que morreu há pouco mais de dois anos. Ele adorava essas campanhas de solidariedade, com doações pelo telefone. Especialmente na época antes do celular.

Sempre que havia uma campanha dessas, ele passava na loja do meu tio (primo dele), lá no Cocotá, na Ilha, e dizia: "Zebu, posso usar o telefone um instantinho?" Meu tio, claro, deixava, e meu pai dava umas três ou quatro contribuídas para a boa causa da vez. Depois ia embora, de espírito leve por ter ajudado os necessitados.

Seu Anselmo era uma joia de ser humano, né não?

Em vez da maçã, o pão de forma

Todo mundo já previa, confirmou-se mais um caso de corrupção policial no atropelamento e morte do músico Rafael Mascarenhas. Dois policiais militares cobraram R$ 10 mil (e levaram R$ 1 mil) para liberar o atropelador Rafael Bursamra e ainda descaracterizar o local do atropelamento para dificultar a perícia. A empulhação só não foi bem-sucedida porque:

a) Uma testemunha viu o carro de Busamra ser parado pela PM,
b) as câmeras da CET-Rio flagraram a abordagem dos policiais e a liberação do veículo e
c) o morto era filho da atriz Cissa Guimarães, o que atraiu uma avassaladora cobertura da mídia.

Seguindo o tradicional roteiro do corporativismo cúmplice, o Comando da PM soltou uma nota bancando a versão dos policiais, segundo a qual, na baixa luminosidade, não for identificada nenhuma avaria no veículo. Horas depois, apareceram as primeiras imagens do Siena, que tinha a frente destruída e o pára-brisas quebrado. Diante do ridículo, o Comando precisou soltar outra nota se desdizendo.

E esse caso está longe de ser exceção. Em 1993, uma lista apreendida na fortaleza do bicheiro Castor de Andrade mostrava que até o comandante do batalhão de Bangu recebia uma caixinha do crime. No início deste ano, o contraventor Rogério Andrade (sobrinho de Castor acusado de explorar bicho e máquinas caça-níqueis) sofreu um atentado a bomba. Um detalhe curioso é que seus sete seguranças eram PMs. Isso mesmo, o policiais militares faziam segurança de um fora da lei. No ano passado, um capitão e um cabo da PM chegaram instantes depois de o coordenador do AfroReggae ter sido baleado num assalto. Em vez de socorrerem a vítima, que acabou morrendo, detiveram os criminosos, pilharam o produto do roubo e os liberaram...

E não vou nem entrar na seara do despreparo, da brutalidade etc. etc. etc. Vamos ficar só na corrupção, mesmo.

Não vai demorar muito para aparecer algum PM reformado ou autoridade da Secretaria de Segurança dizendo que os protagonistas citados acima são "maçãs podres" que não podem desmerecer todo o cesto.

Mas será que não está na hora de mudarmos essa metáfora, não? Até porque quase ninguém mais tem cestos de maçãs em casa. Vamos pegar, por exemplo, o pacote de pães de forma. Imagine, leitor, a cena: ao pegar o pacote para fazer um sanduíche, você descobre que duas ou três fatias do pão estão mofadas. Você corta a parte mofada e come? Pega outras fatias de outro ponto do pacote? Não. Ele vai todo para o lixo porque está contaminado. Nem mesmo as fatias que parecem limpas a olho nu são confiáveis, pois é lícito supor que os fungos já se espalharam por todo o pão, apenas não se tornaram visíveis nas demais fatias.

Dada a inacreditável frequência de casos envolvendo policiais militares (e civis também, infelizmente), já não seria lícito supor que a instituição inteira está contaminada e que não tem salvação? É óbvio que o estado não pode prescindir de uma força policial, que nem todos os policiais são corruptos ou que há alguma corrupção em qualquer polícia do mundo. O problema, a meu ver, é que, no Brasil (mais especificamente no Rio), isso virou uma questão estrutural. E o fato de a Justiça dar liminar para garantir ingresso na corporação de candidatos reprovados na análise de antecedentes também não ajuda em nada.

Talvez seja hora reinventar a polícia, de criar uma nova corporação com outras bases, inclusive salariais, sem o esquema picareta de turnos, com sistemas de avaliação, treinamento e cobrança mais rígidos e com um comando menos complacente. Os atuais policiais poderiam até ser aproveitados, mas não sem uma análise muito detalhada de cada indivíduo.

Resta saber se a nossa sociedade, corrupta e corruptora até a medula, gostaria realmente de conviver com uma polícia de qualidade...

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Pra cima de mim?!?!

Tem eras que eu não posto alguma história de Luísa (minha filha de seis anos) no blog - aliás, tem eras que não posto nada. Vou então contar uma que aconteceu há alguns meses.

Ela, assim como o pai, é uma baita fã de Harry Potter. Quando saiu a coleção do xadrez mágico, comprei para ela o número 1, que trazia uma torre com base metálica e uma varinha de plástico com um ímã na ponta para puxar “magicamente” a torre. Claro que Luísa pirou e vivia tentando enfeitiçar a casa inteira. Pior era eu ter que ficar todo duro cada vez que ela mandava um “Petrificus Totallus” na minha direção. Até que um belo dia ela levou a varinha para a escola e trouxe de volta sem a ponta magnética.

Passou um tempo e ela quis levar uma jóia (de verdade) para a escola e eu não deixei, dizendo que tudo que ela levava, ou perdia, ou quebrava, e lembrei da varinha. Eis a resposta:

- Não, papai, não fui eu que quebrei. É que eu tentei fazer um feitiço na escola antes de ter 11 anos, o Ministério da Magia descobriu, foi lá e quebrou minha varinha...

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Geopolítica sexual

Oi, gente, ainda tô vivo.

Retomei o blog com uma bizarria que vi na Slate Magazine.

O palestino Sabbar Kashur foi condenado a um ano e meio de prisão em Israel por estupro por engodo. Ele levou uma judia israelense para a cama fazendo-se passar por judeu. No dia seguinte, ao descobrir que ele era muçulmano, a moça deu parte, acusando-o de estupro.

No julgamento, embora admitisse que não houve violência e que a moça deu porque quis, o juiz Tzvi Segal alegou que ela teve relações sexuais induzida por uma informação falsa. A corte negou o pedido para que o réu, que não tem antecedentes criminais, cumprisse uma pena alternativa de serviço comunitário.

Pra fugir da acusação de preconceito, o Espírito de Porco pega carona no comentário óbvio do analista judeu Gideon Levy: "Eu gostaria de perguntar ao juiz o que aconteceria se o sujeiro fosse um judeu se fazendo passar por muçulmano para seduzir uma mulher muçulmana. Ele seria condenado por estupro? A resposta é: claro que não."

Agora um comentário meu mesmo. Se essas regras de conduta sexual fossem aplicadas no Brasil, ia faltar cadeia...