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quinta-feira, 14 de abril de 2005

Infatilização é isso aí

Infatilização é isso aí

Enquanto os cardeais se preparam para o conclave que pode consagrar Josef Ratzinger como novo Papa (uhu!), andei pensando um pouco sobre a nota anterior, especialmente sobre a opinião de Leonardo Boff. Lembrei-me de um causo contado pelo historiador francês Serge Gruzinski, um dos maiores especialistas em história mexicana em todo o mundo, quando o entrevistei para o número 13 de Nossa História.

Conta ele que, no fim dos anos 90, com o avanço das seitas evangélicas no México - e de suas redes de TV -, firmou-se uma sólida parceria entre a Igreja Católica e a Televisa para um acontecimento que novamente impulsionaria o catolicismo no país: a canonização de Jan Diego, o índio humilde que teve a visão da Virgem de Guadalupe em 1531.

Aqui é necessário um parêntese. A Televisa, para quem não sabe, é o maior império de comunicação da América Espanhola. Tudo que a turma da teoria conspiratória imagina que a Globo faz por aqui, ela faz de fato em dezenas de países. Ainda que sua abrangência no México seja do gênero da que a Globo tinha nos anos 70 e 80, sua programação popularesca está mais para Record, mesmo.

Pois bem, toda essa máquina de mídia foi posta em movimento para enaltecer a biografia do "índio humilde" e os feitos da Santa Madre no México. Todos os dias os mexicanos eram lembrados que Juan Diego seguia para o catecismo quando, no topo da colina Tepeyac deu de cara com a Virgem Maria, que mandou-o dizer ao bispo para construir ali um santuário para ela. Enquanto isso, o Vaticano corria com a beatificação e a canonização do dito cujo, levada a cabo em 31 de julho de 2002.

Tudo muito bom, tudo muito bem, não fosse pela grita de parte do próprio clero mexicano. O motivo era bem simples e conhecido de qualquer historiador minimamente informado: O "índio humilde" Juan Diego é um personagem fictício. Quando os espanhóis invadiram o México, encontraram no topo da referida colina o concorrido santuário de uma divindade feminina asteca. Seguindo um padrão que fazia sucesso há mais de mil anos, transformaram a deusinha local numa santa (e não numa santa qualquer, mas na própria Virgem de Guadalupe) e construíram-lhe uma igreja sobre o local do santuário. A história de Juan Diego foi inventada pouco depois.

Esses clérigos reclamões - ligados, claro, à dita igreja progressista - achavam um absurdo que o Vaticano enfrentasse a mistificação e as armações dos pastores evangélicos com mais mistificação e armações. Ainda mais em parceria com a Televisa, que não é exatamente uma organização livre de pecado.

O resultado? Foram todos perseguidos e enquadrados. Não podiam lecionar, pregar nem publicar - e o "índio humilde" virou santo com toda a pompa e circunstância. Como disse o ex-frade brasileiro, "um esforço de normatização da fé, de mediocrização das inteligências e uma infantilização dos cristãos".

Mas, cá entre nós, temos que dar um desconto ao Vaticano. Se existência de fato dos personagens e comprovação historiográfica significassem alguma coisa, a Igreja como um todo não existiria.

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