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terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

O branco dos olhos

Minha querida Claudia Manes me indicou um site que, em teoria, é uma das coisas mais interessantes que já vi: Pandora. Infelizmente, no meu caso, a alusão ao mito da Caixa de Pandora foi literal. Porém, alguém com o gosto musical mais abrangente e um senso de humor menos beligerante (como Claudia, em ambos os casos) pode tirar grande proveito.

Pandora é basicamente um gerenciador de rádios personalizadas on line associado ao Music Genome Project. Como o site explica, há seis anos um grupo de músicos e de profissionais de TI se reuniu para criar um grande "mapa genético" da música. Estabeleceram uma enorme série de características que seriam os "genes" de cada música e se dedicaram a ouvir criticamente faixas de mais de dez mil artistas, assinalando que "genes" estariam presentes em cada uma.

A partir dessa impressionante base de dados, o usuário monta sua rádio, escolhendo um artista ou uma música em especial para servir de parâmetro. A partir dessa informação inicial, o sistema analisa os "genes" do parâmetro e procura outras músicas que compartilhem uma ou mais características genéticas. Podemos acrescentar músicas e artistas à estação, dando novos parâmetros para a base de dados selecionar. Da mesma forma, quando uma música está tocando, podemos dizer se gostamos (ela passa a ser um parâmetro) ou não (ela é banida da programação).

Poxa, mas se Pandora faz isso tudo, do que você reclamou lá em cima? O problema é que, na prática, a teoria é outra. Os chamados "genes" são demasiado vagos, o que acaba provocando um rififi na zona auditivo. Por exemplo, "ritmo medianamente sincopado" se aplica tanto a Pictures at an exibition, do Emerson, Lake & Palmer, quanto à maioria dos reggaes. Como eu disse, o sujeito tem que ter um gosto musical pra lá de amplo para não se irritar um pouco.

Vou dar um exemplo bem prático. Criei uma estação tendo como parâmetro inicial a banda finlandesa Nightwish. Para quem não conhece, vai um resuminho: no início dos anos 90, o tecladista e compositor Tuomas Holopainen e o guitarrista Emppu Vourinen convidaram uma amiga que estudava canto lírico, Tarja Turunen, para um projeto acústico que não decolou. Com a adição do baterista Jukka Nevelainen o grupo virou uma banda de heavy metal com fortes influencias góticas, progressivas e, claro, clássicas. Tudo temperado com doses cavalares de culpa cristã nas letras de Holopainen (como essa gente gosta de sofrer!).

O problema da minha estação está nos "genes", que, como eu disse são vagos. "Raízes no hard rock", "moderada síncope rítmica", "estética centrada nos vocais", "uso de harmonias vocais", "tons menores" etc. Todos estão certinhos, mas, isoladamente, se aplicam a praticamente qualquer coisa. "Uso de harmonias vocais" jogou Prince na minha estação... Qual a semelhança entre Prince e Tarja Turunen? Deixa eu ver... Bem, são mamíferos, bípedes e gostam de homem. "Raízes no hard rock" jogou Tesla e Night Ranger, bandinhas de pop pesado americano dos anos 80. O que os integrantes das duas bandas têm em comum com os do Nightwish? O branco dos olhos, talvez...

O que dá para fazer é tentar dirigir um pouco a programação, indicar que não gosta daquela música, o que também é útil para filtrar o que realmente é parecido. Por exemplo, acho Evanescence uma versão nu metal (ergo, burra, comercial e mal-tocada) dos sucedâneos europeus de Nightwish, mas realmente se enquadra no estilo. O jeito é filtrar. Mas até isso tem limitações. Eles não podem oferecer um serviço de busque-e-toque, no qual você pede uma determinada música e ela é logo executada. Para evitar que o ouvinte use assim o sistema, pulando as músicas até chegar na que pediu, eles estabeleceram um limite de dez descartes por hora. O chato é que isso inclui as que você não gosta. Hoje, encarei uma seqüência desastrosa, descartando dez músicas em dezoito. A décima-nona (que diabos Hoodoo Gurus tem a ver com Nightwish?) eu tive que ouvir até o fim.

"Por que você não desiste, pára de esquentar a cabeça e faz suas listas de MP3 só com o que gosta?", pode perguntar alguém que talvez não me conheça tão bem. Acontece que eu ignoro (ou pelo menos tento ignorar) aquilo que detesto. Se achasse Pandora uma perda de tempo completa, não publicaria nada aqui, ou diria, no máximo, "fuja que é fria". Não é o caso. Mandei um e-mail reclamando dos critérios, veto às vezes quatro ou cinco músicas em seqüência, mas continuo achando que a idéia é boa e ouvindo uma ou outra novidade interessante. Afinal, Esperança está lá no fundo da caixa.

Ah, uma última curiosidade. Oficialmente não era para eu estar usando Pandora. Como, segundo eles, a legislação de música digital varia de país para país, atualmente só poderiam prestar serviços para usuários nos EUA. Para isso, pedem que a pessoa forneça o ZIP code (o CEP lá deles) no registro. Claro que isso mais pro forma que aviso de "proibido para menores" em revista de mulher nua. Qualquer número de cinco dígitos é aceito; o famoso jeitinho norte-americano...

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