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sábado, 22 de dezembro de 2007

Espírito natalino

Ok, galera. Eu sei que a frase que norteia o cristianismo é "faça o que eu mando, não o que eu faço", mas tem horas que eles exageram. O Colégio Marista São José, uma das mais tradicionais instituições católicas de ensino do Rio de Janeiro, demitiu ontem oito pessoas da pré-escola – fala-se de um passaralho também nas outras séries. Foram cinco das sete professoras, as duas coordenadoras e o inspetor (o Tio Artur, adorado pelas crianças). Não, queridos, vocês não leram errado. A escola católica promoveu essa degola a menos de uma semana do Natal.

Não satisfeita, o fez com lances de canalhice explícita. Demitiu as professoras, a maioria com mais de 20 anos de casa, numa época em que as demais instituições já planejaram as contratações para o ano seguinte, o que dificulta uma recolocação a curto prazo. Uma das coordenadoras demitidas chegou a ajudar na seleção de currículos, informada pela direção que duas professoras já aposentadas, mas que ainda atuava, iriam sair. Mentira.

E a vigarice não ficou restrita ao trato com os demitidos. A degola aconteceu uma semana depois do período de renovação de matrícula. Uma das mães esteve na escola ontem mesmo e, de dedo na cara do diretor, disse que estava entrando na Justiça com uma ação contra o São José por quebra de contrato. De fato, os pais matricularam os filhos numa escola e, de um dia para o outro, descobriram que seria uma escola completamente diferente. Ah, um detalhe: a decisão não foi comunicada oficialmente aos pais. Seriam todos pegos de surpresa no dia 30 de janeiro, na reunião de início do ano letivo. A escola só não contava que a notícia vazasse e provocasse uma reação tão forte dos pais. Aliás, a notícia está hoje na coluna do Ancelmo Gois, ainda que com alguns errinhos.

Em reunião com representantes dos pais ainda na tarde de ontem, o diretor e a coordenadora pedagógica estavam numa visível saia justa. Ao que tudo indica, a ordem de cortar cabeças veio do comando dos Irmãos Maristas, uma multinacional clérigo-educacional fundada na França no início do século XIX e que controla colégios em diversos países. Havia na reunião, inclusive, um funcionário ligado a essa organização com toda a pinta de oficial da KGB. Bem, por mais que os pais indagassem, o diretor e a coordenadora não davam uma explicação para as demissões. O tal oficial chegou a dizer que "uma instituição se reserva o direito de fazer mudanças sem precisar se explicar", enquanto a coordenadora dizia "haver um limite de informação que podia ser fornecida". Pelo que se pôde entender, com o passar dos anos, os colégios maristas mais importantes foram ganhando mais e mais autonomia, e agora, talvez sob inspiração do Papa Adolf XVI, a Irmandade decidiu "uniformizar e alinhar" as instituições. E isso incluiria mudanças de caráter pedagógico.

Tudo bem, mas os pais não têm uma relação com a Irmandade. Eles têm com a escola. Ao fazerem e/ou renovarem as matrículas, firmaram um compromisso com uma equipe e um projeto pedagógico que foi, na surdina, desfeito pela instituição. Compraram uma coisa e receberiam outra – em bom português, estelionato. Do ponto de vista de imagem, é um desastre. Do ponto de vista pedagógico, outro. As crianças vão chegar em fevereiro tendo como único referencial as paredes.

Um colégio desse tipo tem dois assets básicos: tradição (que inclui a qualidade de ensino) e princípios. Quando demite praticamente toda a equipe e insinua mudanças no caráter pedagógico, manda essa tradição para o espaço. E quando o faz de uma forma sórdida, manda junto os princípios. Como disse uma das mães, aos prantos, o colégio não é o prédio, por mais adorável que seja, mas pessoas. Até porque, quase todo aberto e encravado entre as perigosas favelas do Borel e da Formiga, o prédio hoje é mais um risco que um atrativo.

Num completo descolamento com a realidade, o diretor pediu aos pais um voto de confiança. Foi preciso explicar a ele (quase desenhando) que a relação de confiança fora quebrada, que a direção agora precisava de atos concretos para tentar reconstruí-la. Talvez sejam conceitos difíceis de assimilar para alguém vindo de uma instituição milenar em que as palavras não correspondem aos atos e os gestos arbitrários não admitem contestação. Só que eles lidam com público e com consumidores de serviços. Talvez a transição para o século XXI seja penosa demais...

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