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sábado, 24 de julho de 2010

Em vez da maçã, o pão de forma

Todo mundo já previa, confirmou-se mais um caso de corrupção policial no atropelamento e morte do músico Rafael Mascarenhas. Dois policiais militares cobraram R$ 10 mil (e levaram R$ 1 mil) para liberar o atropelador Rafael Bursamra e ainda descaracterizar o local do atropelamento para dificultar a perícia. A empulhação só não foi bem-sucedida porque:

a) Uma testemunha viu o carro de Busamra ser parado pela PM,
b) as câmeras da CET-Rio flagraram a abordagem dos policiais e a liberação do veículo e
c) o morto era filho da atriz Cissa Guimarães, o que atraiu uma avassaladora cobertura da mídia.

Seguindo o tradicional roteiro do corporativismo cúmplice, o Comando da PM soltou uma nota bancando a versão dos policiais, segundo a qual, na baixa luminosidade, não for identificada nenhuma avaria no veículo. Horas depois, apareceram as primeiras imagens do Siena, que tinha a frente destruída e o pára-brisas quebrado. Diante do ridículo, o Comando precisou soltar outra nota se desdizendo.

E esse caso está longe de ser exceção. Em 1993, uma lista apreendida na fortaleza do bicheiro Castor de Andrade mostrava que até o comandante do batalhão de Bangu recebia uma caixinha do crime. No início deste ano, o contraventor Rogério Andrade (sobrinho de Castor acusado de explorar bicho e máquinas caça-níqueis) sofreu um atentado a bomba. Um detalhe curioso é que seus sete seguranças eram PMs. Isso mesmo, o policiais militares faziam segurança de um fora da lei. No ano passado, um capitão e um cabo da PM chegaram instantes depois de o coordenador do AfroReggae ter sido baleado num assalto. Em vez de socorrerem a vítima, que acabou morrendo, detiveram os criminosos, pilharam o produto do roubo e os liberaram...

E não vou nem entrar na seara do despreparo, da brutalidade etc. etc. etc. Vamos ficar só na corrupção, mesmo.

Não vai demorar muito para aparecer algum PM reformado ou autoridade da Secretaria de Segurança dizendo que os protagonistas citados acima são "maçãs podres" que não podem desmerecer todo o cesto.

Mas será que não está na hora de mudarmos essa metáfora, não? Até porque quase ninguém mais tem cestos de maçãs em casa. Vamos pegar, por exemplo, o pacote de pães de forma. Imagine, leitor, a cena: ao pegar o pacote para fazer um sanduíche, você descobre que duas ou três fatias do pão estão mofadas. Você corta a parte mofada e come? Pega outras fatias de outro ponto do pacote? Não. Ele vai todo para o lixo porque está contaminado. Nem mesmo as fatias que parecem limpas a olho nu são confiáveis, pois é lícito supor que os fungos já se espalharam por todo o pão, apenas não se tornaram visíveis nas demais fatias.

Dada a inacreditável frequência de casos envolvendo policiais militares (e civis também, infelizmente), já não seria lícito supor que a instituição inteira está contaminada e que não tem salvação? É óbvio que o estado não pode prescindir de uma força policial, que nem todos os policiais são corruptos ou que há alguma corrupção em qualquer polícia do mundo. O problema, a meu ver, é que, no Brasil (mais especificamente no Rio), isso virou uma questão estrutural. E o fato de a Justiça dar liminar para garantir ingresso na corporação de candidatos reprovados na análise de antecedentes também não ajuda em nada.

Talvez seja hora reinventar a polícia, de criar uma nova corporação com outras bases, inclusive salariais, sem o esquema picareta de turnos, com sistemas de avaliação, treinamento e cobrança mais rígidos e com um comando menos complacente. Os atuais policiais poderiam até ser aproveitados, mas não sem uma análise muito detalhada de cada indivíduo.

Resta saber se a nossa sociedade, corrupta e corruptora até a medula, gostaria realmente de conviver com uma polícia de qualidade...

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