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sexta-feira, 20 de junho de 2003

Que fim levou a chilena?

Já que o assunto é entrevista coletiva, vou desencavar uma história do fundo do baú e mostrar como sou velho.

Meu debut como jornalista aconteceu no Rock In Rio, em 1985. De certa forma foi algo inédito para toda a imprensa brasileira e latino-americana, pois nunca tivemos tantos artistas de peso ao mesmo tempo. Por conta disso, as entrevistas coletivas, todas no Hotel Rio Palace, foram concorridíssimas. Perguntou-se (e respondeu-se) muita besteira, mas uma personagem ficou na memória de todos: uma jornalista chilena cujo nome estava em algum cluster queimado do meu HD cerebral.

De qualquer forma, a chilena tinha uma missão espinhosa. Mais que fazer perguntas, ela tinha que divulgar o festival de Viña Del Mar e fazer com que os artistas falassem sobre o Chile. O problema é que o país vivia ainda a brutal ditadura do general Pinochet (que ele morra lentamente e reencarne como couro de repinique num sábado de Carnaval), e qualquer menção à situação política lá seria censurada.

A diversão começou logo no primeiro dia, na entrevista do Whitesnake:

Chilena: Vocês conhecem algo sobre o Chile que não seja política?
David Coverdale (fazendo cachinhos nas pontas da cabeleira): não.

Foi aquele silêncio constrangedor...

Logo em seguida entrou na sala George Benson, e lá foi ela de novo:

Chilena: Você está a par do grande festival que vai acontecer em Viña Del Mar, no Chile?
George: Não.

Dessa vez um ou outro não conseguimos segurar um risinho.

Mas o melhor do dia ficou por conta de Nina Hagen:

Chilena: Você conhece algo sobre o Chile que...
Nina (sem nem esperar a tradução e num espanhol impecável): É uma ditadura fascista e assassina.
Chilena (quase tendo um filho): Não, algo que não seja política.
Nina: É só o que me interessa.

Assim os dias se passaram, com a chilena repetindo suas perguntas e recebendo variações mais ou menos gentis de “não”, até que chegou o ponto alto, na entrevista do Iron Maiden.

É preciso dizer que essa entrevista em particular foi um desastre, pois o tradutor era extremamente ruim. Para se ter uma idéia, um coleguinha perguntou qual era a melhor coisa no Iron Maiden. O infeliz traduziu primeiro como “qual o melhor disco do Iron Maiden” e depois como “quem é o melhor no Iron Maiden”. Foi preciso que um dos jornalistas traduzisse corretamente a pergunta para que a banda respondesse serem os shows.

Mas, voltemos a nossa heroína...

Quando ela perguntou se eles conheciam algo sobre o Chile, o tradutor mandou “what do you think about Chile”, numa pronúncia apavorante.

Confundido pela pronúncia, o baterista Nicko McBrain abriu um sorriso de respondeu: “Adoro chili com feijões.”

Pra quê? A mulher se ofendeu e começou a berrar que exigia respeito com o país dela etc. Nicko (simpático como a maioria dos bateristas) pediu mil e uma desculpas e a paz pareceu voltar.

Só que aí o assunto passou para Eddie, o cadáver-mascote do grupo, o que motivou o seguinte diálogo:

Chilena: Vocês não acham que as crianças de assustam com Eddie?
Bruce Dickinson: Não. É como o monstro de Frankenstein, foi concebido para ser assustador, mas as crianças gostam dele.
Chilena: Mas os meus filhos se impressionam com o Eddie.
Bruce Dickinson: Olha, minha senhora, criança quando é bem educada não fica se impressionando à toa.

A gargalhada geral que se seguiu marcou o fim da participação da chilena no festival. Não sei se ela prestava como jornalista, mas foi uma das melhores comediantes que já vi.

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