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sexta-feira, 5 de dezembro de 2003

Sem discussão

Mesmo para aqueles que não encaram o doce suplício da profissão de jornalista, vale a pena ler este artigo de Alberto Dines esta semana no Observatório da Imprensa. No texto, ele entra num tema tão espinhoso quanto explosivo: o debate, ou melhor, a falta de debate a respeito da maioridade penal depois da comoção causada pelo assassinato de Liana Friedenbach e Felipe Caffé, em São Paulo.

Dines critica com muita propriedade a postura do governo e da patrulha politicamente correta de barrar qualquer discussão que envolva alguma revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, sem nenhuma ironia com a sigla). A crítica é importante porque essa patrulha usa o próprio observatório como tribuna, adotando com ampliada virulência a mesma técnica do ex-presidente FHC. Quando criticado, em vez de responder às críticas, ele desqualificava os críticos (neobobos, nhém-nhém-nhém etc.). Só faltava chamá-los de feios, chatos e cocozentos.

Assim, quem defende qualquer mudança na lei é tachado de fascista e assassino, mesmo que, na véspera, fosse campeão dos Direitos Humanos - aliás, volto a esse tema em outra ocasião. A questão é que existem duas correntes que tratam do assunto como se fossem torcidas de times de futebol. De um lado, os que vêem a pena a um criminoso (ou infrator, sendo menor - coisas da semântica) como um instrumento de reabilitação e ressocialização. Do outro, os que a encaram como segregação e proteção da sociedade.

O problema é que os dois lados estão certos. O objetivo de uma prisão é punir pela privação da liberdade e reabilitar, proteger a sociedade de um indivíduo que a ameaça e proporcionar-lhe possibilidades de ser novamente inserido nessa sociedade. São situações complementares, não conflitantes. Precisamos de lei e procedimentos jurídicos que punam quem comete crimes (ou infrações) e instituições que os recuperem - ou, no caso dos irrecuperáveis, isolem. Infelizmente temos o contrário.

Na prática, a lei hoje iguala o menor que rouba uma maçã para comer ao que estupra e mata. São ambos enfiados numa Febem ou num Padre Severino, de onde aquele vai sair invariavelmente pior do que entrou e este não vai melhorar em nada. Mas me pergunto por que motivo as pessoas que brigam tanto para manter a maioridade penal em 18 anos não fazem tanto barulho nem tentam mobilizar a sociedade para melhorar o sistema de atendimento a menores infratores.

Pessoalmente, sou contra o conceito de maioridade ou minoridade penal. Acho que cada caso deve ser avaliado isoladamente, envolvendo aspectos criminais, psicológicos e sociais. Hoje, um menor não pode ficar mais de três anos internado, independentemente do crime (desculpe, infração) que tenha cometido. Três anos vão recuperar o assassino de Liana e Felipe, por melhor que seja a instituição em que o internem? Reservo-me o direito de duvidar muito disso.

Mudar a maioridade penal (ou, como eu preferiria, acabar com ela) não vai resolver o problema da delinqüência infanto-juvenil. Claro que não, pois não existem soluções mágicas. É preciso investir, e muito, em educação, assistência social, geração de emprego etc. etc. Mas vai reduzir a sensação de impunidade, que sabota qualquer esforço sério para lidar com a violência cometida por menores.

Infelizmente, como lembra o Dines, tem gente que não quer ao menos discutir o assunto.

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