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sexta-feira, 27 de agosto de 2004

Andersen revisitado ou Momento Toupeira

Todo mundo conhece um conto de Andersen chamado A roupa nova do rei? Nele, espertalhões oferecem a um rei um tecido mágico que só as pessoas inteligentes podem ver. Claro que não tem nada ali, mas, temendo serem tachados de burros, o rei e toda a corte elogiam a beleza do pano. Os malandros confeccionam uma roupa inteira com o tecido, cobram os tubos e se mandam, e o rei decide desfilar com ele pela cidade. Lá pelas tantas, uma criança, que não tinha essa vaidade dos adultos, olha de pergunta: "Mamãe, por que o rei está nu?" As pessoas percebem que, no desespero de parecerem inteligentes, tornaram-se alvos fáceis de picaretas.

Hoje noticiou-se um momento Andersen na Tate Gallery, em Londres. Ao entrar numa das salas, uma das faxineiras deu de cara com um saco de lixo cheio de papéis amassados. Consciente de suas obrigações, ela recolheu o saco e botou com o resto do lixo. Só que o objeto era parte da instalação "Reconstrução da primeira demonstração pública de arte autodestrutiva", do alemão Gustav Metzger. A obra, segundo o autor, mostrava a "existência finita" da arte.

Ok, não foi exatamente um momento Andersen completo. Para tal, os curadores da galeria deveriam olhar uns para os outros e dizer: "Realmente, é só um saco de lixo cheio de papel". Como a criança do mestre dinamarquês, a faxineira estava livre da pretensão e dos discursos mirabolantes elaborados para classificar como arte um saco de lixo. Mas hoje em dia é mais fácil desconversar.

Ah, antes que a nossa não-tão-anônima visitante se manifeste, sim, eu sou uma toupeira. Eu olho um saco de lixo e vejo um saco de lixo. Olho uma parede vermelha e vejo uma parede vermelha. E nenhum texto explicativo vai me convencer que aquilo é arte. Para mim o talento tem que estar na obra, não no discurso que a justifica.

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