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terça-feira, 10 de maio de 2005

Em resumo... maluquetes

Em resumo... maluquetes

Conta meu pai que, durante uma palestra do saudoso Darcy Ribeiro no início dos anos 60, um estudante com pinta de porta-estandarte da TFP pediu um aparte e começou dizendo que era "um conservador", ao que o professor, cortante como sempre, replicou: "Só se for de fralda. E você lá tem idade pra ser conservador? Não viveu nada, vai conservar o quê?"

Tenho que confessar que nunca entendi exatamente o pensamento conservador, melhor dizendo, o pensamento dos conservadores. Não é que não entenda os postulados teóricos - não concordo, mas entendo. Também não tenho problemas em compreender os motivos para uma pessoa rica ou de classe média alta ser conservadora; afinal, é do interesse dela manter o conjunto de fatores que lhe permitiu a riqueza. O que não me entra na cabeça é o fascínio que esse tipo de pensamento exerce sobre pessoas que, invariavelmente, acabam prejudicadas quanto tais idéias são postas em prática.

Isso aqui no Brasil. Nos EUA, de onde importamos praticamente tudo que não presta, a coisa é ainda mais grave. Em seu livro What's the matter with Kansas? (Qual o problema com o Kansas?), o escritor Thomas Frank relata como a visão política da classe média norte-americana se descolou de seus problemas cotidianos. Ele lembra como, nos últimos trinta anos, a política dos EUA se tornou mais conservadora graças ao voto da classe média (assalariados e pequenos empresários), justamente o setor que mais perdeu em termos materiais com esse conservadorismo político. "Você pode ver o paradoxo na rua principal de qualquer cidadezinha no interior dos EUA. Avisos de que a loja está fechando dividem a vitrine com cartazes de apoio a George W. Bush", conta Frank.

Hoje, na revista virtual Slate, o articulista Timothy Noah dá conta de uma possível explicação (ainda que acabe não concordando): Os conservadores podem, simplesmente, não bater bem da bola. A conclusão está num estudo publicado há dois anos por pesquisadores de três universidades norte-americanas, entrevistando 22.818 pessoas em doze países.

Political conservatism as motivated social cognition (Conservadorismo político como percepção social motivada) identifica uma série de variáveis psicológicas associadas ao conservadorismo político. Segundo os autores, pessoas de níveis sociais mais baixos tendem a abraçar ideologias de direita diante de medo, ansiedade, dissonância, incerteza e instabilidade. O processo, aliás, acontece também em regimes totalitários de esquerda - que se tornam conservadores, no sentido de resistirem a mudanças. "Muitos esquerdistas em regimes totalitários comunistas exibiam a mesma rigidez de pensamento e outras características psicológicas que seriam, em outro contexto, associadas a direitistas", dizem.

Um dos conceitos mais interessantes com os quais trabalham é a "intolerância com a ambigüidade", que caracteriza uma visão dicotômica rígida em relação a tudo. Lembro-me que, na faculdade, um professor nos fez analisar a série de TV americana Wiseguy, que aqui foi exibida como O homem da Máfia. Nela, um agente do FBI era infiltrado numa família mafiosa para levantar provas contra o capo. Por envolver capítulos e não episódios, a série permitiu desenvolver melhor o perfil psicológico dos personagens. Isso, somado ao fato de se passar prioritariamente dentro da quadrilha, resultou em mafiosos que, embora fossem criminosos cruéis, tinham relações de amizade, carinho pela família etc. Durou quatro anos, a despeito de níveis de audiência nunca melhores que medianos. Na análise de críticos e teóricos, seus personagens multifacetados incomodavam o público conservador, que gosta de bandidos dando tiro em cachorro e batendo na mãe.

Outro conceito que vale olhar é o gerenciamento do terror. Diante de uma situação - real ou imaginária - que represente medo, o conservador tende a se agarrar a seus valores e a rejeitar outras visões. O terror, no caso, não se refere simplesmente ao medo da morte ou de uma violência física, mas ao medo do "outro", de tudo que possa ser diferente da visão de mundo do indivíduo. Daí o racismo, a xenofobia e a homofobia que, em diferentes níveis, permeiam o pensamento conservador em todo o mundo.

Sinceramente, acho que Noah descartou as conclusões do estudo baseado numa leitura muito preguiçosa. Em momento nenhum o texto diz, como ele dá a entender, que conservadores ou pessoas de classe média têm mais medo da morte que outras. O que está em questão é como esse medo é processado psicologicamente e como se reflete na visão de mundo dessas pessoas.

De qualquer forma, a idéia de que o conservadorismo tenha um componente psico-patológico abre caminho para uma esperança: a de que ele tenha cura.

Em tempo: Os americanos usam uma linguagem muito peculiar na política, que não se aplica em nenhum outro lugar do mundo. "Radical" significa "extremo-esquerdista", ainda que Bush seja um sujeito extremamente radical. "Liberal", que em qualquer outro lugar se aplica adeptos do liberalismo econômico, lá quer dizer "esquerdista" ou "centro-esquerdista". Os "conservadores" norte-americanos englobam liberais (economicamente falando), conservadores propriamente ditos, especialmente em assuntos religiosos e morais, e até anarquistas de direita - só nos EUA pra inventarem um troço desses...

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