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quarta-feira, 3 de setembro de 2003

Vai ser só decepção?

Eu costumo dizer que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso só me deu uma decepção: sair candidato com um programa de direita e aliado à pior escória que a ditadura militar produziu. Dali em diante, não esperava nada de bom. O desmantelamento do Estado brasileiro e da indústria nacional, a formação dos monopólios privados, o desemprego galopante, a fragilidade da economia... tudo isso estava dentro da expectativa. As poucas coisas (a meu ver, claro) positivas contaram como bônus inesperados.

Com o governo Lula esta acontecendo para mim exatamente o inverso. Engolidas a aliança com o PL e a suavizada no programa de governo, ainda era, em síntese, o que se espera de um candidato de oposição: mudar o que não funciona, preservar o que funciona. Fui lá e votei, como havia votado nas eleições anteriores. Infelizmente, está sendo para mim uma decepção atrás da outra.

Ok, ok. No que se refere ao "mudar o que não funciona", especialmente na área econômica, ainda podem alegar a herança do governo anterior etc. etc. Claro que esse argumento se enfraquece a cada dia e logo vai perder a validade.

Mas não é isso que está me incomodando. O problema é ver práticas sórdidas da política sempre condenadas pelo PT (como apadrinhamento político em detrimento da qualidade do serviço público) serem adotadas pelo partido e defendidas pelos caciques. E não justifica dizer que "sempre foi assim". Para encarar o que "sempre foi assim" eu teria votado no PFL.

Conheço gente muito séria dentro do Inca e as histórias que essas pessoas contam são ainda piores que as publicadas nos jornais. Quantos outros centros de excelência estão sendo sucateados porque foram entregues a deputados, que nomearam parentes, que eram casados com outros políticos etc. etc. etc.?

Para mim, a cereja bichada nesse creme azedo veio hoje, ao ler no Globo que um relatório apresentado ao ministro da Educação, Cristovam Buarque, (e com toda pinta de ter sido bem recebido) pretende, na prática, acabar com o Provão, eliminando sua obrigatoriedade, fazendo-o por amostragem e atribuindo às próprias universidades a avaliação dos cursos. Francamente? Ao ler isso lamentei muito não ter anulado meu voto.

Educação sempre foi uma das minhas áreas de interesse - fui do Caderno Vestibular do Globo e, quando coordenador da editoria de País, sempre batalhei por mais espaço para o assunto. Por conta disso, acho que o ex-ministro Paulo Renato fez diversas barbaridades no afã tucano para fabricação de estatísticas - autorizar cursos relâmpago que dão diploma de ensino básico em seis meses, às vezes sem aulas, por exemplo. As estatísticas de alunos matriculados e portadores de diploma são lindas, mas do ponto de vista qualitativo produziram-se multidões de analfabetos funcionais.

Imaginava (ok, ok, esperava) que Cristovam fosse atacar esse tipo de coisa, ou a esbórnia dos "centros universitários" que não produzem uma linha de pesquisa ou fazem atividades extensão, mas gozam dos privilégios do título e cobram caro pelo diploma.

Em vez disso, o MEC avança numa das poucas coisas boas que seu antecessor de Cristovam fez. O Provão foi a primeira forma objetiva de avaliar a qualidade dos cursos - via qualidade dos formandos - e, junto com o sistema de avaliação feito pelo MEC nas instituições, pintou um quadro bem mais preciso do ensino superior brasileiro. Comprovou, entre outras coisas, a superioridade das universidades públicas e, por conta do boicote, o pavor que os cursos de Comunicação Social das supracitadas têm de serem avaliados por sua eficiência.

Mas não foi só isso, a avaliação obrigou diversas faculdades particulares a investirem, deu aos vestibulandos um parâmetro para saberem onde é melhor o curso que querem seguir e ainda permitiu ao bom aluno da faculdade não tão boa ter uma comprovação de sua qualidade.

Em vez disso, o grupo propõe que as instituições façam uma auto-avaliação que depois será checada por uma comissão. Burocracria tola; se a comissão vai checar mesmo, qual a necessidade da auto-avaliação? Já o Provão deixa de ser obrigatório e passa a ser feito por amostragem aleatória. E o resultado, claro, sem notas ou rankings de instituições.

As Faculdades Integradas São Furdúncio, que funcionam à noite numa salinha do Jardim Escola Leitãozinho Tarado, e não agüentavam mais levar conceito E, agradecem penhoradamente.

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