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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2003

Polêmica atrasada

Sei que o assunto nem é exatamente novo, mas semana passada foi complicada e acabei não tendo como comentar aqui a questão das cotas para o ensino público e para negros e pardos no vestibular da Uerj. Antes de mais nada, é bom esclarecer que, em 20 anos de vida acadêmica, passei apenas cinco em instituições privadas – justamente os mais fracos.

Quando eu fazia uma coluna no saudoso no. e esse projeto foi aprovado, fiz uma indagação que continua sem resposta. Como a Uerj vai lidar em seus cursos com alunos que foram aprovados com um nível muito abaixo dos demais? Muita gente estrila com as cotas raciais (elas lembram que existe, sim, racismo no Brasil e isso incomoda), mas o problema mais grave está nas cotas para o ensino público. Enquanto a maior nota de um candidato da rede particular ficou em 95,75, o melhor candidato da rede pública não passou de 44,25; no caso da nota mínima, foi pior ainda: 34,50 contra 5,25.

Continua a pergunta: a Uerj vai fazer o que com esses alunos tão absurdamente abaixo da média? O que faz nossos gênios sócio-pedagógicos imaginarem que um aluno que não conseguiu acertar a metade das questões do vestibular vai acertar metade das questões nas provas regulares? Se os professores mantiverem o nível de exigência dos cursos, vão produzir uma estatística recorde em termos de evasão universitária. Se abaixarem os níveis de exigência, só vão conseguir esculhambar os cursos e deixar os diplomas da Uerj valendo menos que uma ação preferencial das Organizações Tabajara.

E na hora do Provão? E os formandos de Direito? Vai haver uma cota para formandos-da-Uerj-oriundos-da-rede-pública na exigente prova da OAB? Vai haver uma cota no mercado de trabalho também?

É ingenuidade imaginar que aulas de reposição vão resolver. Lá no Cefet existia uma casta conhecida como “os peixes”. Eram alunos que, reprovados na prova de admissão, matriculavam-se em escolas técnicas de fundo de quintal e, no meio do ano tentavam uma transferência para o Cefet. Na minha turma (a gloriosa F-MEC) entrou em julho uma meia desses peixes, que, em geral, ganhavam apelidos marinhos – Dudu Baiacu, Peixe-Espada-Sem-Bico (por conta do lábio leporino), Peixe Fresco (uma bichinha que acabara de ser pescada) etc. Nenhum deles – repito, nenhum deles – conseguiu passar de ano, apesar de um intensivo sistema de aulas de reposição.

É impressionante que ninguém até agora parou para falar o óbvio: o resultado da Uerj é prova de que o ensino público no Rio é, salvo cada vez mais raras exceções, um lixo. Aliás, os resultados nos vestibulares anteriores já mostravam isso. Na relação de aprovados, contava-se a dedo os oriundos de escolas públicas. E o que se fez? Investiu-se no ensino Básico e Médio? Criou-se alguma espécie de cursinho de reforço para esses alunos ou apoiou-se iniciativas do gênero, como o Educafro? Não. Em vez disso, criou-se um sistema de cotas e entronizou-se na Uerj a figura do aluno de segunda classe. Se esse aluno vai conseguir se formar, passar no Provão ou arrumar um emprego, problema dele.

Lembrou-me uma velha piada segundo a qual uma mulher negra entrou num ônibus numa cidade do Sul dos EUA, e o motorista disse: “Negro é no fundo do ônibus”. Isso provocou uma onda de protestos que varreu o país e foi parar em Washington. Sem querer mexer nas causas estruturais do racismo, o presidente baixou um decreto dizendo que, a partir daquele dia, não haveria mais negros ou brancos nos EUA, era todo mundo verde. No dia seguinte, a mesma mulher entrou no mesmo ônibus e ouviu do mesmo motorista: “Verde-musgo é no fundo do ônibus”.

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