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segunda-feira, 29 de março de 2004

Grande livro, péssimo título

Existe espaço para sensacionalismo em literatura científica? Por que os tradutores (ou melhor, os tituladores) subestimam tanto a nossa inteligência? No cinema isso já é notório. Praticamente desde a chegas dos primeiros filmes estrangeiros, títulos inteligentes, espirituosos eram massacrados e transformado em tolices sequer dignas de nota. Hoje em dias muitos nem se preocupam em traduzir; deixam o título em inglês e tascam um subtítulo em geral banhado em cretinice. O exemplo mais recente é Minority Report, que, em vez de virar "Relatório Minoritário" ou "Registro Dissonante", virou "Minority Report – A Nova Lei".

Agora isso chegou à literatura científica, e justamente com um dos meus livros favoritos. A Editora Girafa lançou no Brasil em português "Bible Unearthed", dos arqueólogos israelenses Israel Finkelstein e Neil Silberman. O problema é que, na hora de titulá-lo, escorregou no sensacionalismo barato e cometeu "A Bíblia Não Tinha Razão" – como uma resposta ao "E a Bíblia Tinha Razão", pérola do proselitismo disfarçado de ciência escrita pelo alemão Werner Keller. O problema desse título é que ele, de cara, aliena potenciais leitores, gente que não teria preconceito com “A Bíblia Desenterrada” ou mesmo “Escavando a Bíblia” (sugestão da Cristina).

Falando do livro, ele tem como um dos muitos méritos ter como autores judeus israelenses – do contrário, choveriam acusações de anti-semitismo e anti-sionismo. Finkelstein e Silberman inverteram a metodologia dos "arqueólogos bíblicos" do século XIX. Armados com os livros do Velho Testamento, este escavavam a Palestina com o objetivo e provar que as escrituras representavam História literal. Achavam as ruínas de Meggido, conferiam na Bíblia que Meggido fora fundada por Salomão, logo, datavam as ruínas de 1000 a.C.

Em seu livro, os dois arqueólogos israelenses partiram do oposto, foram até as ruínas, fizeram a datação usando as mais modernas técnicas. Conclusão: Meggido é pelo menos 200 anos mais nova, foi construída por Ahab, um rei de Israel execrado no Velho Testamento. E esse é apenas um dos pontos menos polêmicos do livro. Eles descartam toda a passagem de Abraão saindo da Mesopotâmia; sustentam, em vez disso, que os judeus são nativos da Palestina mesmo.

É uma leitura desafiadora, que encheria de questionamentos a cabeça de muitos judeus e cristãos. Infelizmente, poucos deles vão chegar perto de um livro chamado "A Bíblia Não Tinha Razão".

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